quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

CÍRIO DE NAZARÉ – A MAIOR DEMONSTRAÇÃO DE FÉ DO POVO PARAENSE


Imagem de Nossa Senhora de Nazaré
Minha chegada à Belem, depois de 05 dias a bordo de um navio da Enasa, já tinha sido o suficiente. Um detalhe interessante é que ao longo dos mais de 2000 quilometros que a viagem teve, a paisagem permaneceu inalterada. Água e árvores. Com exceção nas paradas nas cidades de Parintins, Óbidos, Oriximiná, Santarem e a chegada em Belem, o resto do caminho era tudo exatamente igual. O tempo passava devagar. De vez em quando ia a cabine de comando e perguntava para o navegador como estava indo a viagem e ele me mostrava os mapas de navegação, o sonar de profundidade e o avanço do navio. Em média, uns 30 quilometros por hora, pois estavamos a favor da correnteza. Para fazer o caminho inverso, a viagem dura 06 dias ou mais, dependendo da força da água.

Belém - Capital do Pará e da simpatia.

Quando encontrei com a vendedora Ana Maria, que gentilmente veio me buscar no porto, já havia uma grande historia por trás deste momento. Eu sempre optei por viajar de carro. Só utilizava outro meio de transporte quando  era impossivel ir por estrada. E numa destas andanças cheguei a Belém do Pará. Era meu ultimo desafio antes de iniciar a região Amazônica, embora Belém seja banhada por um mar de água doce, que é a Bacia do Guajará, onde desembocam os Rios Guamá e Acara. Eu sempre pensei que aquela água era do Rio Amazonas. Foi no navio que aprendi esta lição de geografia, pois quando chega na cidade de Breves, onde começa a Ilha do Marajó,  existe um desvio do Rio Amazonas em forma de Y e o rio segue pelo lado esquerdo e o Estreito de Breves à direita, chegado suas águas na Bacia de Guajará.

Estrito de Breves. A margem esquerda é da Ilha do Marajó

Belém é uma cidade encantadora. Mas longe! Tinha trabalhado nas cidades de Recife, João Pessoa, Natal, Mossoró, Fortaleza, Teresina, São Luiz e finalmente havia chegado a Belém. Eu e meu Gol vermelho, que chegou a rodar mais de 300.000 quilometros sem problemas de motor. Quando Belém começou surgir à minha frente, eu já tinha rodado desde minha saída de casa mais de 4.000 quilometros. Após passar a entrada de Mosqueiro, um lugar exótico e imperdível, que contarei em detalhes mais à frente, a pista passou a ser mão dupla e em ambos os lados da estrada já existia um comercio ativo e mais à frente a cidade de Ananindeua, que fica colada à Belém e esta mesma estrada me jogou numa avenida e dali até o centro da cidade. Era uma questão de hábito. Quando eu chegava numa cidade pela primeira vez, minha primeira parada sempre era o centro da cidade. Lá eu procurava por informação de hotel, me localizava e ai começava a ver realmente onde estava.

Minha casa em Belém

O hotel mais barato, dentro do padrão que costumava ficar era próximo a Estação Rodoviária. Hotel Ipê,  simples, mas bem localizado e bom atendimento. Primeira etapa do projeto estava pronta. Já estava em Belém, estava hospedado, já tinha jantado e fui dormir. O grande desafio começaria no dia seguinte: encontrar, contratar, treinar um representante para aquela grande cidade.

O Laboratório Pardini já era bem conhecido nesta epoca e tínhamos muitos clientes que enviavam suas amostras direto para Belo Horizonte via Sedex. Era precário este serviço, mas era o que tinha. Com a contratação de um representante, todos os laboratórios enviariam mais amostras e elas seguiriam em voo noturno, chegando na empresa na manha do dia seguinte, com resultado das analises dois dias depois, dependendo do tipo de exame.

Mas onde encontrar uma pessoa responsável para fazer este serviço com eficiência depois que eu fosse embora? Comecei pelo obvio. Perguntando aos donos dos laboratórios que já eram nossos clientes se tinham alguém para indicar. Depois de alguns não, me indicaram uma vendedora muito conhecida por todos, de nome Maurícia, que vendia reagentes para realização de exames. Bem, era um começo. Liguei para ela e marcamos um encontro. Encontrei com uma mulher pequena, bem magrinha, mas mostrava muita disposição e conhecimento do mercado. Achei que poderia dar certo, mas antes de enviar a documentação para admissão, resolvi trabalhar uns 03 dias com ela para ver se seria a contratação certa. Foi talvez a decisão mais acertada que fiz durante todo o tempo que trabalhei no Pardini.

Ela, embora muito simpática,  tinha muitos compromissos, devido as suas representações e não estava dando  atenção ao projeto Pardini da maneira que eu realmente precisava. Eu precisava ter alguém comprometido até a alma com a idéia, pois o serviço assim exigia e Belem era muito longe para ir lá a todo momento. Na manhã do terceiro dia, disse para a Maurícia que não ia dar certo e que eu não iria contrata-la. Acho que ela já esperava por isso. Imediatamente, ela disse que tinha uma amiga que estava desempregada e que eu iria gostar. Ela com certeza seria a pessoa certa para o que eu precisava.

Ana Maria e seu filho Lucas
Combinamos encontrar sua amiga no seu apartamento. Lá conheci a mãe dela, tomei um litro de água super gelada para combater o calor daquela cidade e ficamos aguardando a chegada da amiga. Pontualmente, às 14 horas, como combinado, eis que chega a Ana Maria. Uma morena tipica paraense, cabelos curtos e ainda tímida, começamos a conversar, mas a empatia foi instantânea. Eu tinha certeza que tinha encontrado a pessoa certa. Nossa conversa durou menos que 20 minutos e já defini que ela seria a representante. 

Pegamos o material de trabalho que estava na casa da Maurícia, e levamos o apartamento que a Ana Maria morava. Lá tive oportunidade de conhecer seu filho Lucas, um garoto de 03 anos, muito esperto, que ficou meu amigo de imediato. Hoje, ele já é advogado e com projeto de fazer mestrado em Portugal ainda este ano. Conheci também a mãe da Ana, Dona Cecilda, que estava muito doente na epoca. Já não andava. Permanecia o tempo todo deitada ou em cadeira de rodas. Era uma mulher muito bacana, conversávamos muito, mas infelizmente a doença fazia a vida da Ana Maria ser muito sofrida. Conheci também seus irmãos Celinho, Celso, Cezio e a Ângela. 

Em resumo, fiquei muito amigo da família, amizade que durou por todo o tempo que trabalhamos juntos. Depois que eu sai da empresa a Ana continuou e chegou ao cargo de supervisora de equipe, ficando responsável por toda a Região Norte. Foi uma das contratações mais acertadas que fiz em toda minha carreira profissional, pois além da excelente vendedora, que dominou completamente o mercado, tornou-se minha grande amiga. E é essa amizade que me levou a conhecer o lado magico da cidade de Belém.
Riquezas de Mosqueiro

Mosqueiro é uma ilha fluvial do Rio Pará,  vilarejo localizado nas cercanias de Belém e um lugar muito visitado. Ali é fabricado a famosa Cerâmica Marajoara. Vasos ornamentais, com figuras tipicas, que ressaltam suas belezas por serem todas feitas de forma artesanal. Lá existem dezenas de lojinhas e dentro delas é um mundo de variedades, onde você encontra tudo para decoração, desde um simples prato, até um sofisticado jogo de panelas para servir feijoada.

Os restaurantes se localizam a beira da Baia do Marajó, onde existe uma grande praia, e é característico destes estabelecimentos servirem como prato principal a tradicional peixada. Um caldeirão enorme de barro, com diversos pedaços de peixe de excelente sabor, ovos cozidos e uma verdura que não conhecia até minha primeira ida a este lugar. O jambu, uma  hortaliça muito parecida com o agrião, que quando você a mastiga, sua boca fica anestesiada. Uma sensação estranha, mas deliciosa.

Por diversas vezes, estive em Mosqueiro com a Ana Maria, onde ela tinha uma pequena casa, que estava lutando para vender e nesta vila, aos finais de semana, era festa direto. Milhares de pessoas, musicas ao vivo em vários lugares. Lembrava as praias do litoral de São Paulo na epoca do verão ou feriados prolongados. O detalhe que é praia de água doce e não causa a mesma emoção de uma praia de água salgada. Ai, o paraense não se faz de rogado, viaja mais uns quilometros e chega na Praia de Salinas, um dos lugares mais bonitos do litoral brasileiro.

Engraçado, que num lugar tão quente e distante da grande colonia japonesa no Brasil, é muito fácil encontrar restaurantes que tem como prato principal o Yakisoba. Um prato feito com macarrão fino, legumes e shoyo. Em Belem você encontra este prato em diversos restaurantes.Outro lugar imperdível que conheci em companhia da Ana foi o Mercado Ver o Peso. Ali é um mundo único. Não deve ter outro lugar na terra com as mesma variedades de produtos. Lá você encontra de tudo. Desde peixes a benzedeiras que prometem curar qualquer doença, resolver problemas de dinheiro, etc.

Mercado Ver o Peso

Junto ao Mercado Ver o Peso, tem o Antigo Porto de Belém, todo reformado, espaço que na epoca que lá estive já havia se transformado num boulevard, com diversos restaurantes e outras atrações. Me recordo que havia uma ponte rolante, que percorria toda a extensão do porto, uns 300 metros, e dentro dela, lá no alto, ia um musico, tocando e cantando musicas para alegrar o ambiente.

Nesta viagem que eu estava chegando de Manaus por barco, eu já havia deixado o meu carro na casa da Ana Maria e logo após meu desembarque, me hospedei eu fomos visitar os laboratórios. Os paraenses são de longe um dos povos mais hospitaleiros do Brasil. Fazem tudo que podem para te deixar a vontade e cada visita era uma conversa de amigos que não se viam a muitos anos. Difícil terminar uma visita em menos de uma hora. Alguns donos de laboratório eu já conhecia de congressos, outros fui apresentado pela Ana, mas em todos os lugares, o atendimento era excelente.
Antigo Porto do Pará, hoje um grande centro de lazer.

Visitando um laboratório numa das avenidas da cidade, se a memoria não me trai, era o Laboratório Amaral, deixamos o carro quase defronte à empresa e eu deixei minha pasta no banco de trás. Quando voltamos, tínhamos sido roubados. O ladrão entrou pela porta do porta malas do Gol e levou minha pasta, minha maquina fotográfica com as fotos da viagem pelo Rio Amazonas, o radio do carro e uma sacola com alguns objetos da Ana Maria. Para minha sorte, estava com a carteira no bolso, o que me evitou um monte de dor de cabeça. Ela ainda me levou a conhecer um restaurante cuja proprietária sobreviveu a queda do avião da Varig em plena selva amazônica, onde morreram praticamente todos os ocupantes e apenas alguns se salvaram, entre eles, esta senhora. Outro lado inesquecível de Belém era o final do dia. Ana tinha muitos amigos e sempre a tarde se encontravam num barzinho da cidade para um gostoso bate papo, regado da inigualável cerveja Cerpinha. A  Ana Maria, no tempo que trabalhou comigo foi sempre impecável como profissional e nas vezes que ia visita-la, sempre foi uma grande amiga, a quem devo grandes favores e agradeço nesta postagem.  Mas tem dois episódios que não posso deixar de relatar, pois a historia não ficaria completa.

Num navio como esse, enfrentamos talvez a maior chuva de nossas vidas.

Eu precisava colocar um representante em Macapá, que ficaria subordinado a Ana Maria. Eu como havia curtido muito a viagem de barco de Manaus para Belém, disse para a Ana comprar dois camarotes num navio que iria para Marabá. Assim ela fez. Quando embarcamos, o navio era completamente diferente do que eu havia viajado. Era todo de madeira, muito barulhento, com o pessoal pendurado nas redes e os camarotes era feitos para pessoas normais. Eu pesava na epoca uns 140 quilos. Mal cabia na cama. Era muito apertado. Mesmo a Ana, no outro camarote, também não conseguia se ajeitar para dormir, pois o barco balançava muito. Resolvemos então subir para o deck do navio e ver televisão. 

No inicio, estava indo tudo bem,  mas do nada começou cair uma tempestade muito forte. Não dava para voltar para as cabines, pois ventava muito e o barco balançava demais. O jeito foi ficar sentado onde estavamos, com o coração na mão, torcendo para a tormenta passar. Estávamos margeando a Ilha de Marajó e esta chuva durou horas para parar. Chegamos no Porto de Santana em Macapá, mortos de cansado,  com sono e com muita fome. Ficamos por lá uns 03 dias, contratamos um representante e voltamos de avião. Minha recomendação a quem um dia querer viajar de navio naquelas regiões. Conheça o navio antes de comprar o bilhete. Se for navio de madeira, sai fora.

Deixei para o final a parte que envolve o titulo desta publicação: Círio de Nazaré.  Trata-se com certeza da maior profissão de fé em todo o Brasil. A veneração a Nossa Senhora de Nazaré é algo que impressiona, que comove e nos transporta para um mundo de paz e esperança, que atinge a todos, sem exceção.
Círio de Nazaré - Uma das maiores manifestação de fé católica do mundo

Ana Maria conseguiu ingressos para fossemos na procissão naval. Um cortejo com mais de 1000 embarcações, que seguem um barco que levava a imagem da Santa até um local onde foi rezada um missa. No navio que estavamos, havia umas 300 pessoas e durante todo o percurso, tanto na ida como na volta, haviam grupos rezando em louvor à santa. Esta procissão aconteceu num sabado. No domingo haveria a grande procissão do Cyrio de Nazaré, onde a santa é levada de volta para sua igreja. O que chama atenção e causa angustia em quem esta assistindo é a devoção dos fiéis, que seguem o cortejo segurando uma enorme corda, de uns 10 cm de diametro por uns 500 metros de comprimento, com os rostos colados uns nos outros, num esforço supremo para não soltar a mão da corda, pois se assim o fizer, outros entrarão em seu lugar. Uma demonstração de fé, amor e devoção.
Terminada a procissão, fomos almoçar na casa de um amigo e tive oportunidade de saborear o prato mais cobiçado pelos paraense: Pato no Tucupi, acompanhando de Maniçoba, uma comida feita a base de mandioca brava, de cor verde, que eles adoram, mas que não fez o meu gosto.
Pra quem não conhece: Pato no Tucupi - Maniçoba e o famoso Açai

Foram muitas historias vividas em Belém. Lamento não ter voltado mais àquela cidade maravilhosa, de povo hospitaleiro, nestes últimos 15 anos. Muitas saudades de Belém, onde se planta arvores frutíferas em suas principais avenidas. Normal, nas épocas da colheitas, a queda de mangas nos carros estacionados  sob a sombras das mangueiras e da loucura pelo açaí, que lá é vendido em cada esquina.

Hoje,com muito orgulho Dr. Lucas e sua mãe Ana Maria.


Espero um dia poder voltar. Mas se este dia não chegar,  pode ter certeza que guardo cada momento vivido neste rincão do Brasil, da minha amiga Ana Maria e de seu filho Lucas, hoje já doutor, que na epoca me chamava de “Tio Luis”.

Continua.







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